três.

quinta-feira, dezembro 18

Crianças a passeio

Então me perguntei: O que faria enquanto Gui, meu sobrinho, amarrasse seus cadarços desajeitadamente?
Não foi uma pergunta de tédio, nada disso. Ocorreu-me, sim, quase como uma superstição, que eu deveria encontrar algo revolucionário e epifânico antes que o menino se levantasse com um dedo no nariz e declarasse vitória. Era isso.
Olhei o moleque. Olhei-o novamente. Os dedos enrolados me diziam que eu teria muito tempo, talvez suficiente para entrar naquele trem com portas a fechar dizendo Adeus, Gui, volto no dia em que tiver seus sapatos amarradinhos; ou me encostar ao balcão onde um homem comprava charutos e, enquanto ele me encarasse estupefato, tomar um de sua caixa, acendê-lo e tossir porque nunca fumei.
Ou mais: aquela menina encostada ao banco descascado tagarelava irritantemente. Poderia mandá-la se calar com um gesto obsceno. Não, não conseguiria, talvez um olhar pesado bastasse. E seria assim que me livraria do peso de encontrar a revolução antes de Gui amarrar seus sapatinhos cor de gema. Nada mais razoável para o momento, e preparei-me respirando fundo (o coração disparou diante da possibilidade) e calculei o momento certo com sabedoria.
Ah, ela não estava olhando.